O concelho do Porto, com as delimitações geográficas atuais, é um território diversificado que apresenta vestígios de ocupação humana desde a Pré-história – Mesolítico e Calcolítico - até à Idade do Bronze e Idade do Ferro, em áreas afastadas do centro da cidade, como Campanhã, Aldoar e Nevogilde.
Os primeiros vestígios do castro proto-histórico, que deu origem à cidade do Porto, surgem no morro da Sé ou da Penaventosa, com características similares a outros castros do noroeste peninsular. No Arqueossítio (Rua de D. Hugo n.º 5) foram encontrados objetos de uso quotidiano e construções datáveis dos séculos IV-III a.C. e nas proximidades outros achados atestam uma ocupação que terá origem nos primeiros séculos do 1 milénio aC..Na Rua de Penaventosa surgiram vestígios do pano de muralha que cercava este núcleo primitivo.
O castro de Cale tem ligações comerciais com o mundo romano, apresentando um nível significativo de romanização no século I d.C., provavelmente relacionado com a reorganização implantada por Augusto. Na fase tardo-romana, a “civitas” expande-se para o morro da Cividade e pela encosta da Penaventosa e atinge a zona da Ribeira, como comprovaram as escavações arqueológicas da Casa do Infante e área envolvente, onde foram encontrados vestígios de importantes edifícios inseridos numa malha urbana regular. A crescente dinâmica portuária terá reforçado o papel de Cale como polo catalisador da economia regional, surgindo as primeiras referências a Portucale.
Os dados retirados de intervenções feitas em todo o perímetro do concelho, principalmente junto à marginal do rio Douro, têm demonstrado que a ocupação romana se estendeu praticamente a todo o território, reorganizado em torno de uma nova malha viária estruturada a partir de duas grandes vias que atravessavam o Douro em direção ao Norte. Têm surgido indícios em lugares como Miragaia, Massarelos, Cedofeita, Lordelo do Ouro e Foz do Douro.
A crise de 1383-1385 colocou a cidade em evidência, mais uma vez. O rei da “Boa Memória” demonstrou um especial apreço pela sua colaboração na vitória da guerra contra Castela. Entre as obras mais relevantes está a primeira rua estruturada, a Rua Nova ou Formosa (atual Rua do Infante D. Henrique); a urbe e seu couto passam a ser reais; são acrescentados mais territórios ao termo do Porto. Nesta cidade celebrou o seu casamento com D. Filipa de Lencastre e nela nasceu e foi batizado o seu quinto filho, o infante D. Henrique.
A chegada dos povos germânicos à Galécia, no século V, e o estabelecimento de um reinado de curta duração, gerou uma época de instabilidade regional que permitiu um certo protagonismo de Portucale.
Segundo o cronista Idácio, esta seria um dos palcos principais da guerra civil que antecedeu a queda do reino suevo. E a necessidade de uma boa defesa do espaço, levou a um reforço das muralhas existentes desde a época castreja e renovadas pelos romanos.
A nova organização territorial das dioceses e paróquias implantada por S. Martinho de Dume, no século VI, dão-lhe maior realce, principalmente com a criação da diocese de Portucale e a posterior transferência do bispo, residente em Meinedo, para Portucale. Neste período regista-se também a instalação de uma oficina monetária pelos monarcas visigodos.
O reino visigodo agoniza e a passagem do estreito de Gibraltar pelos muçulmanos, proporciona-lhe o golpe final, permitindo a ocupação da Península Ibérica.
Portucale assumirá um papel de protagonismo com o reordenamento do território que vai sendo conquistado pela nobreza condal, nomeadamente os presores de Afonso III, como Vímara Peres, presor e conde de Portucale (868).
Será de tal forma evidente essa importância que o Condado renasce em 1096, ano em que foi doado por Afonso VI a sua filha D. Teresa e seu genro D. Henrique de Borgonha.
Entre 1113 e 1114, a diocese do Porto é restaurada com o bispo D. Hugo que passa a ser senhor do couto portucalense, em 1120, por doação da condessa D. Teresa. Um vasto território, que abrangia partes de Santo Ildefonso, Paranhos, Bonfim e Campanhã, ao qual atribui foral em 1123, um modelo inovador no fomento do comércio. A segurança que o norte obteve com o alargar de fronteiras para a linha do Tejo permitiu que uma cidade limitada por suas muralhas primitivas, expandisse para os arrabaldes e se tornasse centro comercial e marítimo.
A partir do século XIV é evidente a necessidade de um novo pano de muralhas para proteção das casas e dos negócios contra as inseguranças que chegavam por terra e por mar. Por decisão real, iniciou-se este grande empreendimento para o qual contribuíram as terras em volta do Porto: Maia, Bouças, Gondomar, Melres, Refojos do Ave, Aguiar de Sousa, Paiva e Feira.
A muralha, da iniciativa de D. Afonso IV, só foi terminada no reinado de D. Fernando I, advindo daí a designação de “muralha fernandina”.
A cidade tornou-se mais poderosa militarmente e em simultâneo proporcionou-se a acessibilidade a moradores e visitantes, através de uma série de portas e postigos, que foram sendo abertas ao longo do seu perímetro. Previu-se também a expansão territorial intramuros ao incluírem o monte do Olival, com apenas soutos e campos cultiváveis. Local suficientemente isolado para D. João I instalar uma judiaria, em 1386.
Figura associada à cidade do Porto, por nela ter nascido a 4 de março de 1394, foi cognominado de “o navegador” pelo empenho com que se dedicou à exploração ultramarina.
Entre os vários títulos que detinha, estavam o de Grão-mestre da Ordem de Cristo, duque de Viseu, cavaleiro da Ordem da Jarreteira (Inglaterra) e governador perpétuo do reino do Algarve.
O conhecimento e nível cultural que qualquer um dos descendentes de D. João I tinha, valeu-lhes a designação de “Ínclita Geração”. No caso de Henrique, dedicou-se mais às ciências astronómicas, à navegação e exploração ultramarina, que teve o seu início com a tomada de Ceuta em 1415.
Para que este empreendimento fosse possível, foi necessária a criação de uma frota poderosa que transportasse todos os homens e materiais de guerra. Os principais espaços de construção naval contribuíram para esse esforço, entre eles, a cidade do Porto e seus estaleiros.
Cada um dos três filhos de D. João I que iriam ser armados cavaleiros em Ceuta, Duarte, Pedro e Henrique, ficou responsável por agrupar homens, navios e todos os bens necessários, em três áreas diferentes do país. O infante D. Henrique comandou a frota que partiu dos estaleiros do rio Douro, da sua terra natal.
É uma ideia generalizada que, a partir desta altura, os habitantes do Porto passaram a ser denominados de “Tripeiros”, por fornecerem as carnes para os navios e terem ficado com as entranhas para seu governo. No entanto, a população desta cidade já estaria habituada a este tipo de arranjo, pois como cidade portuária dedicada ao comércio marítimo com o norte da Europa, teria de alimentar os seus marinheiros com o melhor que tivessem.
O século XVI é um ponto de viragem na expansão urbana, apesar de manter um certo cariz rural, com seus quintais e campos de cultivo. É aberto um novo arruamento em terrenos do bispo e do cabido, a Rua das Flores, onde as construções foreiras a um ou a outro têm uma marca nas suas fachadas – a roda de Santa Catarina (bispo) e S. Miguel arcanjo (cabido). A nova rua estabeleceria a ligação do novo mosteiro de S. Bento da Avé-Maria ao antigo Convento de S. Domingos, ligando duas praças que vieram a ser centros do comércio local, a par com a Praça da Ribeira.
É neste século que um pequeno couto beneditino, Foz do Douro, recebe um conjunto de melhorias executadas pelo seu donatário, o bispo de Viseu, D. Miguel da Silva. Desta altura são a igreja renascentista (1527-1546), depois envolvida pelos muros do Forte de S. João Baptista (1570), e o farol de S. Miguel, na Cantareira.
O afluxo de embarcações impunha uma melhoria nos apoios à navegação, principalmente no conjunto de marcas ou balizas que se instalaram ao longo da margem do rio e da costa marítima. Em 1542, substitui-se um velho pinheiro por uma torre de pedra, a Torre da Marca em Massarelos.
Ainda neste século, em 1560, S. Francisco Borja funda o Colégio de S. Lourenço, da Companhia de Jesus, que se instala na Viela do Colégio Velho e depois num edifício construído de raiz no Largo do Colégio.
O desenvolvimento comercial e da construção naval, proporcionou um crescimento demográfico que não suportou o limite imposto pela muralha. A expansão extramuros para uma área ainda mais ruralizada traz um novo conceito de beleza urbanística.
Durante a ocupação filipina (1580-1640), constroem-se algumas casas para ordens religiosas: o mosteiro de S. Bento da Vitória, para monges beneditinos, no local onde funcionou a judiaria; o mosteiro de S. João Novo, dos Eremitas de Santo Agostinho, sobre a primitiva igreja paroquial de S. João de Belmonte; e fora de muros, o convento dos Carmelitas Descalços. Cria-se o Tribunal da Relação do Porto, em 1583, ficando como seu governador o conde de Miranda, cujo paço é usado para sede inicial do referido tribunal, até se iniciar a construção do edifício, junto à porta do Olival. Melhoram-se os fortes que defendem a entrada da barra e a cidade. Dá-se início a uma série de amplos espaços verdes concebidos para fruição coletiva, como a Alameda da Cordoaria e a Calçada das Virtudes.
Aproveitando este clima organizacional, em 1583, a diocese divide a única freguesia existente em quatro: Sé, S. Nicolau, S. João de Belmonte (só duraria até 1604) e Nossa Senhora da Vitória. E em 1614, para cadastrar todos os imóveis foreiros à vereação municipal, procedeu-se à colocação da marca “F.A CÂMARA” em cada um deles.
Entre os séculos XVI e XVII a população estrangeira cria verdadeiras colónias. Os flamengos surgem misturados com os germânicos, concentrando-se mais em Vila Nova; os franceses criam residências temporárias, mesmo que por longos períodos de tempo; os britânicos estabeleceram-se com maior força a partir do final do século XVII, através das suas casas comerciais.
A constante circulação de navios e mercadores, a residência prolongada de gentes estrangeiras e figuras de grande relevância em lugares de poder e destaque da cidade, permitiram a renovação artística de alguns espaços e uma nova urbanidade.
As edificações de cariz religioso trazem uma versão estilística diferente, o barroco e o rococó. Incentivados pela governação de D. João V (1689-1750), que claramente pretende imitar o “rei sol” de França, Luís XIV (1638-1715), o estilo nacional surge principalmente na decoração interior.
Em 1725, chega ao Porto um artista italiano para a renovação estética da capela-mor e da sacristia da Sé. A perspetiva ilusionista é apresentada com mestria, por parte deste pintor, Nicolau Nasoni (1691-1773).
Este mestre da pintura, um estrangeiro que se fixou no Porto, depressa passa a elaborar projetos de arquitetura, desenhando diversos edifícios, na cidade e no norte do país. Em 1731, dedica-se ao projeto da igreja, torre e enfermaria dos Clérigos.
O deão da Sé do Porto, Jerónimo de Távora e Noronha Leme Cernache, considerado responsável pela vinda do artista para esta cidade, esteve no centro de influência que proporcionou outros trabalhos de cariz arquitetónico a Nasoni, civis e religiosos: o palácio do Freixo; quinta da Prelada; casa da Bonjóia; a casa do Despacho da Ordem Terceira de S. Francisco; a fachada da Igreja da Misericórdia; entre outros. Alguns trabalhos foram identificados como projetos seus, mas seriam mais da influência que exerceu sobre alguns técnicos que o acompanharam nas obras da Sé, como o mestre António Pereira.
Nasoni ainda é testemunha da transformação havida com a chegada do novo governador das armas, João de Almada e Melo (1703-1786).
No seguimento da estratégia implantada pelo ministro Sebastião José de Carvalho e Melo, é criada uma Junta das Obras Públicas (1763) que encetará um conjunto de intervenções urbanísticas relevantes na senda do desenvolvimento económico e do crescimento da população da cidade.
A prosperidade do comércio do vinho, controlado pela Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro (1756), trouxe o rendimento necessário para financiar o amplo “Plano de Melhoramentos” (1794). Este pressupôs uma renovação dos espaços do velho burgo; abertura, regularização e ampliação de arruamentos; demolição de grande parte da muralha; a construção de uma série de edifícios, como a Cadeia e Tribunal da Relação, o Hospital de Santo António, o Quartel de Santo Ovídio, o Real Teatro de S. João, a Real Casa Pia, a Feitoria Inglesa.
Na implantação destes planos e dando continuidade ao projeto de seu pai, ficaria o desembargador, corregedor e governador da comarca, Francisco de Almada e Mendonça (1757-1804).
Surge uma nova conceção da cidade, bem marcada pela perspetiva iluminista e a influência da comunidade britânica, através do seu cônsul, John Whitehead (1726-1802).
A Revolução Francesa (1789) que visou acabar com a monarquia e instaurar a República, teve uma reviravolta em 1804, quando Napoleão se autodenomina imperador da França e empossa os seus irmãos como monarcas.
É imposto o bloqueio continental aos navios britânicos, em 1806, com o intuito da sua capitulação comercial, não sendo possível militarmente. O príncipe regente, D. João, tentou adiar a decisão, para honrar a velha aliança, e quando decide aderir ao bloqueio, as tropas franco-espanholas, comandadas por Junot, invadem Portugal. Entretanto, a corte tinha-se deslocado para o Brasil.
O príncipe regente deixou ordens para que recebessem os franceses como amigos. E, nesse sentido, quando as tropas de Taranco e de Quesnel entraram no Porto, foram aquartelados em conventos e mosteiros e casas particulares desocupadas. Os abusos de poder e roubos que a população suportou, tiveram como consequência a perseguição e destruição de bens de alguns considerados jacobinos e protetores dos franceses, durante a Restauração de 1808.
O verdadeiro foco de revolta instala-se na cidade, a partir de junho de 1808, onde a Junta Suprema é o verdadeiro governo do país. No Porto, desembarcam os exércitos ingleses, chegam os regimentos das províncias para receber ordens do presidente da junta governativa, o bispo.
Em 1809, quando as tropas comandadas por Soult chegam ao Porto, depois de entrarem por Chaves e conquistarem Braga, o pânico instala-se. Sem tropas de linha, são as milícias que defendem a cidade nas trincheiras e baterias construídas a mando do bispo, desde a Foz do Douro até ao Freixo. As tropas francesas rompem as linhas, saqueiam a cidade durante três dias. A cavalaria persegue a população até à Ribeira. Cortada a ponte das barcas para impedir a passagem das tropas inimigas para sul, a população acumula-se no lado norte da ponte, levando à queda de centenas de pessoas – o desastre da Ponte das Barcas, em 29 de março de 1809.
Entre março e maio, Soult instala-se na cidade, no Palácio dos Morais e Castro (Carrancas), e torna-se seu protetor, constituindo até uma guarda, a Legião do Douro. Wellesley chega à margem sul do Douro e a 11 de maio, Soult foge com todo o seu estado-maior, deixando cerca de 4 mil feridos para trás. A cidade é libertada e o general Trant restabelece a ordem.
A terceira e última invasão francesa entrou pelo norte, mas não chegou a atingir o Porto. Wellesley dispersa as tropas de Massena, antes de as encurralar em Torres Vedras.
Nos anos seguintes, entre 1812 e 1814, a cidade debate-se com a falta de alimentos para todos os migrantes do interior e também com a mendicidade, as deserções e o banditismo. As invasões tinham destruído a cidade e a sua forma de viver. Surgiram novos valores.
A passagem do Brasil a reino (1815), a ingerência inglesa resultante do Tratado de 1810, representada por Beresford, e o enforcamento do general Gomes Freire de Andrade (1817), provocam uma reação e a criação de uma associação secreta (proibidas em 1818, por decreto real), essencialmente formada por juristas e comerciantes do Porto, o Sinédrio. Só em 1820 iriam aderir militares a esta assembleia, cujo contributo principal foi o pronunciamento a 24 de agosto, a Revolução Liberal do Porto. Foi criada a Junta Provisória do Supremo Governo do Reino que governaria em nome de D. João VI e cujo objetivo principal seria a convocação de Cortes e a elaboração de uma Constituição.
O ano de 1822 pressupunha novos tempos, com a aprovação da nova Constituição e o regresso da família real. No entanto, neste regresso vieram os representantes da velha fação absolutista, como D. Carlota Joaquina e o infante D. Miguel. O terceiro filho de D. João VI liderou dois golpes antiliberais, a Martinhada e a Vila Francada, que resultaram no seu exílio.
Com a morte do rei em 1826, coloca-se o problema da sucessão. O sucessor, D. Pedro, é imperador do Brasil e como tal recebe a coroa de Portugal para depois abdicar em favor da sua filha mais velha, Maria da Glória. E numa tentativa de convergência, acorda com o irmão Miguel, o seu casamento com a sobrinha. Este regressa do exílio, em fevereiro de 1828, concorda com o estipulado pelo irmão, mas mal surge a oportunidade, usurpa o poder, repondo o absolutismo.
Em maio de 1828, revoltam-se as guarnições do Porto, constituem uma Junta de Governo de apoio à Carta e ao constitucionalismo. Os exilados liberais na Inglaterra fretam um navio, o Belfast, para comandarem as operações. No entanto, devido à falta de entendimento entre os membros da junta, suspendem a revolta, dando-se a fuga de mais de 9 mil homens para a Galiza e de cerca de 2500 para a Inglaterra. Os que não puderam partir ficaram sujeitos a julgamentos ou a prisão sem julgamento. Em 1829, na Praça Nova (atual Praça da Liberdade), foram executados 12 liberais envolvidos nas revoltas de 1828, do Porto e de Aveiro. 10 homens foram enforcados a 7 de maio e outros dois, a 9 de outubro, tendo sido decapitados e as suas cabeças expostas próximo das suas habitações ou em locais públicos. O “terror miguelista” estava instalado, aplicando medidas persecutórias e inquisitoriais.
Estes acontecimentos e a abdicação da coroa imperial do Brasil por parte de D. Pedro, obriga-o a regressar a Portugal para devolver o trono à sua filha, D. Maria II. A guerra civil entre absolutistas e liberais, de 1832 a 1834, desenrolou-se na sua maior parte do tempo na cidade do Porto, entre julho de 1832 e agosto de 1833, o denominado “Cerco do Porto”.
Esta foi uma guerra que devastou a cidade, não só pelos constantes bombardeamentos, mas também pelas condições climáticas e de saúde, como a fome e a cólera. D. Pedro suportou todas as desventuras do cerco, desde a sua chegada a 9 de julho de 1832 até maio de 1833, quando se junta ao exército em Lisboa. A vitória dos liberais no Porto foi o início de um acontecimento que teve o seu epílogo em Evoramonte – D. Maria II assume o trono e D. Miguel é expatriado.
A reconstrução torna-se agora um imperativo nacional. Uma série de transformações urbanísticas, sociais e políticas, desenvolvem-se a partir desta altura, retomando a continuidade de alguns projetos ou iniciando outros. Contudo, a venda dos bens nacionais, gerados pelas expropriações, trouxe novos desafios para os comerciantes e negociantes da cidade, os grandes proprietários.
Em 1866, foi erguido um monumento na então Praça de D. Pedro (atual Praça da Liberdade), em homenagem ao abdicante rei D. Pedro IV. Neste elemento escultórico, da autoria de Célestin Anatole Camels, para além da escultura equestre do homenageado vestido com a farda de Caçadores 5 e empunhando a Carta Constitucional, que devolveu à nação, o seu pedestal em mármore contém dois momentos que retratam a ligação desta personagem à cidade do Porto.
Num primeiro momento, a chegada dos “Bravos do Mindelo”. Designação por que ficaram conhecidos todos os que aportaram ao longo da costa, desde o Pampelido até ao Mindelo, e acompanharam D. Pedro no resgate do trono de sua filha D. Maria II das mãos de seu irmão D. Miguel. Este é o primeiro momento representativo da chegada dos liberais que se estabeleceram na cidade do Porto e a defenderam do cerco das tropas absolutistas, de julho de 1832 a agosto de 1833.
Entre julho de 1832 e maio de 1833, D. Pedro permaneceu no Porto, a comandar as tropas liberais e a reger o país em nome de sua filha, como duque de Bragança. Inicialmente estabeleceu-se no palácio dos Morais e Castro (Carrancas), mas a insegurança causada pelo constante bombardeamento instou-o a mudar-se para a Rua de Cedofeita, para a casa dos Ribeiro de Faria. A partir deste local funcionava toda a sua dinâmica diária, passando a assistir à missa na Igreja da Lapa, espaço que acolhe o seu coração numa urna guardada num mausoléu, fechado a cinco chaves, uma delas na posse da Câmara Municipal do Porto, sendo o presidente da edilidade o seu fiel depositário.
Ligado a este pormenor está o segundo momento representado no pedestal, a “Entrega do Coração de D. Pedro”, em 1835. Cerimónia protocolar com a entrega efetiva do coração, conforme deixou estipulado no seu testamento e que sua filha fez cumprir escrupulosamente.
Ainda como regente e durante o cerco, D. Pedro havia procedido a diversas obras e melhorias na cidade, mas como marca da sua ligação à causa liberal e às penas que suportou a população na luta fratricida, em abril de 1833 acrescentou a insígnia e colar da Grã-cruz da Ordem da Torre e Espada do Valor, Lealdade e Mérito, bem como o título de duque do Porto ao segundo filho real. D. Maria II viria a alterar completamente as armas da cidade considerando os acrescentos de seu pai, tornando-as símbolos reais, e atribuiria o título de Invicta para juntar a “Antiga, Muito Nobre e Leal Cidade”, mantendo o título de duque do Porto para o segundo filho real.
De acordo com o estipulado em 1835 por D. Maria II, sobre o escudo do brasão, como honra, foi colocado um escudete vermelho com um coração de ouro. Simbolicamente ficaria para sempre ligado à cidade do Porto, o coração de D. Pedro.
O liberalismo não foi uma corrente única nem tampouco unitária, desde o tempo dos exilados que existiam duas fações, os vintistas e os cartistas. A agitação política no Porto teve repercussões em Lisboa, o setembrismo, um período de uma quase ditadura. A partir de maio de 1837, Passos Manuel perde o apoio parlamentar, mas conseguiu para o Porto a criação da Academia Politécnica, de um jardim botânico e a Academia das Belas-Artes.
O governo setembrista teve os seus dias contados, a partir do momento que figuras como Passos Manuel, Garrett e Costa Cabral regressam ao parlamento, em 1841. Mais uma vez no Porto, em 1842, os cartistas proclamam a Restauração da Carta e organizam uma Junta Provisória, com Costa Cabral a presidente. O cabralismo surge dentro de uma nova lógica do novo capitalismo da alta burguesia.
Costa Cabral tem muitas dificuldades em avançar com a revolução dos transportes. Vivem-se tempos conturbados a nível nacional, principalmente a partir de 1845: novas leis fiscais; introdução do papel selado; a proibição de enterramentos nas igrejas, etc. As revoltas militares de 1844 e depois a revolta popular da Maria da Fonte, tiveram grande apoio da comissão de setembristas que se tinha formado no Porto – faziam chegar víveres, armas e proporcionavam aquartelamentos. Procede-se a negociações para acabar com esta potencial guerra civil, mas Saldanha comanda um golpe em Lisboa, a “Emboscada”. Quando chega ao Porto, acompanhado pelo representante da rainha, o duque da Terceira, a revolta instala-se, liderada por Passos José.
O duque da Terceira é preso no forte de S. João da Foz, constitui-se a Junta do Porto que faz renascer todas as outras do país, inicia-se a Patuleia. Os confrontos não são vitórias claras para nenhum dos lados, a Convenção do Gramido não será posta em prática, sendo substituída por uma amnistia da rainha. A estabilidade não singrava e antevia-se nova revolta, com início no Porto, uma vez mais.
Saldanha, apoiante de Costa Cabral, sentindo-se ofendido, junta-se aos adversários, encabeçando um levantamento dos sargentos e soldados do regimento dos Caçadores 9 do Porto. Todas as guarnições aderem ao golpe, que termina com a demissão do governo. O movimento da Regeneração, de Alexandre Herculano, leva o duque de Saldanha a presidente do Conselho, mas afasta-se de todas as pretensões do criador, transformando-se no Fontismo.
A cidade evolui progressivamente. Em 1851, surge a primeira experiência da iluminação pública a gás, alastrando-se 4 anos mais tarde a toda a cidade, incluindo as freguesias agrupadas ao concelho e as recém-criadas, como a do Bonfim. A cidade dos janotas pretende ser herdeira do romantismo, entusiasta das temporadas líricas do Teatro de S. João, o café e o dominó. Os cafés tornam-se grandes centros de diversão, de tertúlias literárias e políticas, e de negócios. A industrialização chega com as máquinas a vapor. A área urbana estende-se para além da Praça de D. Pedro (atual Praça da Liberdade), surgindo novas zonas comerciais com lojas e feiras periódicas.
A modernização da cidade faz emergir a ideia de um centro de grandes exposições à semelhança do edifício da Feira Industrial de Londres, o Palácio de Cristal. O lançamento da primeira pedra foi efetuado pelo rei D. Pedro V, em 1861, aproveitando a sua presença na cidade para a inauguração da Exposição Industrial do Porto e de outras participações oficiais. O edifício do Palácio de Cristal seria inaugurado em 1865, com a presença do casal real, D. Luís I e D. Maria Pia, para a Exposição Universal Portuguesa e da Península.
A cidade tem uma nova oportunidade de intervenção crítica contra o governo, usando a imprensa e a opinião pública, aproveitando o imposto sobre o consumo. A revolta passiva, “a Janeirinha” (1868), faz cair o governo de regeneradores e históricos e suspende a lei. Sobressaem algumas figuras, Faria Guimarães e Rodrigues de Freitas.
A revolução dos transportes, sinal de progresso e modernização, é uma necessidade material para uma melhor comunicação das pessoas, mercadorias e negócios. A ponte de D. Maria Pia é inaugurada em 1877, assegurando a ligação do caminho-de-ferro para sul, enquanto a linha do Douro é concluída em 1887, um ano depois da inauguração da ponte Luiz I. Esta nova ponte de ferro assegurava a circulação dos novos transportes. Em 1872, já circulava o “americano”, carruagem puxada por tração animal sobre carris de ferro e em 1874, este carro passou a ser também de tração a vapor. A ligação com as freguesias envolventes desenvolve a indústria e transforma a Foz do Douro num espaço muito concorrido para veraneio, com a famosa expressão “ir a banhos à Foz”.
O ruralismo dá lugar a novas manchas urbanas, os bairros oriental e ocidental são conquistados. A industrialização acarreta um novo conceito de habitação, as ilhas. O reboco é substituído pelos azulejos e o ferro entra nos hábitos construtivos, para além dos elementos decorativos, como varandas, guardas, etc. O que inicialmente foi estranho no Palácio de Cristal, proliferou depois em pontes, mercados, palácios, fazendo da cidade do Porto a que mais cedo na Europa utilizou a arquitetura do ferro.
As comunicações telefónicas surgem em 1890, em simultâneo ganha-se o gosto pelo futebol inglês e crescem os clubes republicanos. A notícia do “ultimatum”, de 11 de janeiro de 1890, que terminava com as pretensões portuguesas no interior da Africa Oriental, espalha-se. A humilhação de obrigatoriamente ter de aceitar-se a resolução de retirada dos territórios africanos, leva à demissão em bloco do governo.
A exasperação e histeria atingem o país, uma série de destacados nomes das letras e da política desistem da vida, Júlio César Machado, Camilo e Silva Porto suicidam-se em 1890. Nesse mesmo ano João Chagas funda o jornal “A República” (depois “A República Portuguesa”) com a colaboração de muitos escritores famosos, onde se canaliza toda a crítica republicana contra a monarquia.
O estado de ânimo revoltoso circulava pelos cafés e estava patente na imprensa. No entanto, um plano idealizado por civis, acelerado pelos militares da guarnição do Porto e de muitas do norte que não chegaram a intervir, conduziu a uma precipitação, a Revolta do 31 de Janeiro de 1891.
A revolta romântica e precipitada do 31 de Janeiro permitiu a preparação tática e madura para uma mudança radical do regime monárquico para o republicano.
A cidade estende-se, o território passa a ser delimitado por uma nova cerca, a Circunvalação. Construída a partir de 1889, para funcionar como barreira fiscal, desapareceu em 1943, ficando apenas como marca do alargamento do concelho, retirando freguesias aos concelhos vizinhos, como Nevogilde, Aldoar, Ramalde e Paranhos.
O crescimento espacial, a diversificação das atividades económicas e a dispersão do povoamento, implicam uma nova preocupação para o planeamento urbano, iniciado ainda no século XIX e impulsionado no século XX, com o ponto de partida no projeto de remodelação do centro da cidade, depois de 1914, posteriormente revertido no Plano Diretor Municipal, a partir de 1962.
O surto epidémico de peste em 1899, também despertou o interesse pelos problemas da habitação popular, as ilhas. Surgem os bairros operários e a criação de cooperativas de habitação. Em simultâneo, provocou uma efervescência política que levou à eleição de três republicanos nas legislativas desse ano e no ano seguinte, por anulamento das primeiras eleições. Um dos eleitos foi Afonso Costa.
Proíbem-se as reuniões políticas, criam-se novas leis eleitorais e aos contestatários portuenses juntam-se os lisboetas, numa atitude clara de repúdio da monarquia em prol do republicanismo.
Em maio de 1903, os assalariados do Porto fazem a primeira grande greve da era moderna, paralisando quase completamente a cidade durante alguns dias.
A instauração da República, em 5 de outubro de 1910, teve grande apoio popular, principalmente das profissões organizadas e da jovem burguesia urbana. Apesar das grandes reformas sociais implantadas, a nova elite governativa encontrou barreiras para a transformação que pretendia, principalmente num país profundamente rural e tradicionalista. Perdem o apoio popular e ganham o do patronato. As crises sucedem-se e agravam-se com a primeira grande guerra (1914-1918).
A ética e moral dominantes, de reduzida ostentação, acentuavam a tendência que vinha desde o século XIX, em privilegiar o utilitário ao visual. Mesmo as obras de reputados arquitetos, como José Marques da Silva, prolongam a tradição de austeridade, com interiores cheios de Arte Nova. Apenas lugares dedicados ao lazer não seguiam as regras, como os cafés “A Brasileira” ou o “Majestic” e o cinema “Olympia”.
A instabilidade e a crise social e económica, vividas até à segunda guerra mundial (1939-1945), permitiram a instalação, a 28 de maio de 1926, de um regime ditatorial, o Estado Novo. Apesar de liberal, a cidade do Porto acomoda-se a esta nova ordem, crescendo nos anos 1940 e mais ainda, a partir de 1958.
No entanto, a atividade contestatária da cidade nunca desvaneceu, mantendo-se viva numa minoria da burguesia urbana. A primeira revolta foi a 3 de fevereiro de 1927. Um grupo de militares e civis republicanos, sem os apoios necessários, foi violentamente reprimido, resultando em mortes, prisões, deportações e exílios.
Em 1928, houve uma greve da Universidade pelo fecho da Faculdade de Letras. Em 1931, a intervenção policial numa assembleia académica termina com prisões e a morte do estudante, João Martins Branco, cujo funeral se transformou numa manifestação de rua. Proíbem-se as conferências públicas do professor Abel Salazar, em 1933. As condições de vida não melhoraram durante a guerra mundial. Em 1945 e 1946, houve manifestações públicas a favor da democracia, por ocasião do funeral de Abel Salazar e a rebelião republicana, em outubro de 1946. Como resultado exoneram-se militares e universitários e interdita-se o Movimento de Unidade Democrática (1945-1948). Em 1949, o general Norton de Matos tenta ser candidato às presidenciais, consegue reunir uma multidão de adeptos no Porto. O regime impede sempre a legalização de qualquer candidatura externa.
Apesar da repressão, as manifestações de irreverência mantiveram-se. Em maio de 1954, a greve na indústria têxtil termina com muitas detenções. Em 1957, multiplicam-se os julgamentos e a prisão dos que eram constantemente vigiados – opositores, jovens e estudantes.
O descontentamento teve o seu momento de descompressão com a candidatura do general Humberto Delgado às presidenciais de 1958, apesar dos resultados. Em 14 de maio de 1958, foi recebido em apoteose por cerca de 200.000 apoiantes no Porto, o que o levou a dizer que “o meu coração ficará no Porto”. Um exemplo da dissonância vivida e que sofreu as consequências dos seus atos, foi o bispo do Porto, D. António Ferreira Gomes. A sua carta aberta a Salazar valeu-lhe 10 anos de exílio, mas também a oportunidade para fazer-se ouvir e mudar as consciências católicas.
As manifestações eram quase anuais e, a partir de 1962, começaram a incluir reivindicações salariais e políticas, e também protestos contra as guerras coloniais. Intensificaram-se a partir do afastamento de Salazar, em 1968.
Chega a Revolução dos Cravos, 25 de abril de 1974, e a cidade acolhe-a com regozijo. A revolução teve grande importância para o meio cultural. Formam-se as primeiras equipas para trabalharem no planeamento urbano e regional, na linha de Ezequiel de Campos e de Antão de Almeida Garrett. Abraça-se os novos talentos da arquitetura e das artes. Cria-se um projeto exemplar de renovação da Ribeira/Barredo, o CRUARB (Comissariado para a Renovação Urbana da Área de Ribeira/Barredo).
O século XX, principalmente nas décadas de 40 e 50, trouxe diversos planos urbanísticos que alterariam irreversivelmente o Centro Histórico do Porto, caso tivessem sido executados. No entanto, apesar da degradação a que estava votado, houve quem contrariasse a política vigente e defendesse a reabilitação, como o arquiteto Fernando Távora. A partir de 1974, o Centro Histórico passa a ser visto como um valor patrimonial local e nacional, pelo que foi criado o CRUARB para resolver o problema do realojamento, recuperando os quarteirões mais degradados. Em consequência da Lei das Finanças Locais de 1982, a Câmara Municipal do Porto assume a responsabilidade pelos trabalhos desse comissariado, estendendo o seu âmbito de ação à Zona Histórica do Porto. Em 1993, é publicada a primeira edição do “Porto a Património Mundial”, considerado o início do processo de candidatura da cidade do Porto à Lista de Património Cultural da Humanidade da UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura).
A UNESCO foi criada na sequência da adoção da Convenção sobre a Proteção do Património Mundial, Cultural e Natural, de 16 de novembro de 1972. Cada Estado signatário desta convenção comprometia-se a assegurar a conservação dos bens do seu território e a proteger o seu património cultural e natural. Portugal foi um dos Estados que assumiu esse compromisso, aderindo à Convenção em 1979. Esta organização passou a ter uma lista que integra bens de interesse patrimonial, com carácter inestimável e insubstituível de toda a humanidade.
A 5 de dezembro de 1996, na cidade de Mérida (México), foi inscrito na Lista do Património Mundial o Centro Histórico do Porto, em conjunto com a ponte Luiz I e o mosteiro da Serra do Pilar, com base no IV Critério Cultural.
Foi considerado que este bem possuía um notável valor universal pelo seu tecido urbano e pelos seus inúmeros edifícios históricos que testemunham o desenvolvimento ao longo do último milénio de uma cidade europeia virada para o ocidente pelas suas ligações comerciais e culturais. A proposta de inscrição refere que seja como cidade, seja como realização humana, o Centro Histórico do Porto constitui uma obra-prima do génio criativo do Homem. Interesses militares, comerciais, agrícolas e demográficos convergiram neste local para dar abrigo a uma população capaz de edificar a cidade. O resultado é uma obra de arte única no seu género e de alto valor estético. Trata-se de um trabalho coletivo que não resulta duma obra pontual, mas sim de sucessivas contribuições.